quinta-feira, 23 de agosto de 2012





       INÉRCIA
Vazio, vagas vibrações
Vácuo preenchendo de nada a imensidão
Em vão, procuro razão
 Para fazer vibrar as cordas da emoção
Nada, nem um sinal
A vida parece pairar como um vento morno
Sem forma, sem contorno
Entre o céu e a terra
Uma energia parada
Impregnada no corpo a preguiça
Respiro devagar, dolorosamente
Com a mente cheia desse nada
Que não move, nem tranqüiliza
Nem sol, nem brisa
Nada é igual ou diferente
Inércia


quinta-feira, 16 de agosto de 2012


             
                                                Vilma
                                           
                                       A ópera do Bom Fim

  Faz muito tempo que Vilma desapareceu, mas em minha memória ela está presente com todos os detalhes que formavam sua exuberante figura humana.
  Eu morava numa rua pequena, estreita e tortuosa no bairro Bom Fim, que nessa época era habitado quase que totalmente por descendentes de judeus. Lembro que, em minha concepção ingênua de mundo, a Rua Augusto Pestana era todo o universo e a rainha desse mundo era uma mendiga que atendia por Vilma. Vilma era de uma exuberância majestosa, desfilando garbosamente seus trapos pela pequena rua que abrigava tudo o que havia de mais precioso no mundo para mim. Não sei quando ela apareceu na rua, era como se sempre estivesse estado lá, carregando seus pertences e instalando-se para dormir na garagem do prédio da esquina.
  Vilma era pura elegância. Na cabeça tinha sempre algum chapéu velho, encontrado em alguma lixeira ou doado por alguém da rua. Vestia-o de forma peculiar e sempre com muito estilo. Se não estava com o chapéu colocava flores no cabelo, arrancadas de algum canteiro próximo. Tinha encanto por usar alguns trapos à moda xale caindo dos ombros ossudos. Nas mãos carregava um prato de louça, com o qual pedia comida nas casas da rua. E jamais se descuidava de um boneco vestido e agasalhado que carregava com carinho de mãe.
 Certa vez, bateu à minha casa e mostrou-me o prato vazio com desenvoltura. Até hoje me fascina o modo como, diferentemente de todos os pedintes que já vi Vilma serenamente solicitava o pão de cada dia, como se fosse um pai nosso encenado ao vivo em nossa comunidade. Eu era pequena e sai atabalhoada com os pensamentos absortos nas visitas que teríamos para o almoço. No fogão, a comida estava sendo preparada. Coloquei o que me pareceu estar quase pronto: arroz, um pedaço de frango e farofa. Entreguei o prato a ela, distante e sem fitá-la. Como Vilma não fez movimento algum, olhei-a. Olha só guriazinha, ponderou ela, não vais me dizer que queres que eu coma esse arroz assim seco, sem feijão, sem molho, sem nada. Meio boquiaberta e coçando a cabeça, voltei à cozinha e coloquei guisadinho em cima do arroz.
 Os anos foram se passando, comecei a ouvir rock e sair com os guris da rua. Os cabelos de Vilma foram branqueando. E ela sempre com a mesma rotina, passeando com sua trouxa, seu chapéu exótico e os ombros cobertos por um seu xale de trapos.
      Ao anoitecer estendia um tapete velho no chão, colocava com cuidado o copo ao lado da garrafa de aguardente e da rosa vermelha. Tirava da trouxa o bebezinho de plástico, do qual jamais se descuidava, pegava o cobertor velho e se acomodava para dormir. Muitas foram as tentativas de levar Vilma para algum abrigo ou albergue para indigentes, mas ela sempre escapava e voltava a seu reino: a rua Augusto Pestana.
    O ato mais fenomenal de Vilma aconteceu na última vez que a vi. Foi como uma ópera encenada no Bom Fim.  Eu estava em minha sacada. Era um domingo de inverno ensolarado e frio. Vilma ostentava todo sua distinção e garbo. Trajava uma saia comprida de trapos coloridos, seu xale e um chapéu de inverno um pouco furado no meio. Em frente à minha janela, o vizinho da casa de jardim grande estava no carro com a namorada. Vilma bateu no vidro do carro. Vi o rapaz fazer uma cara contrafeita e resmungar sem abrir a janela. A senhora mendiga insistiu e bateu no vidro mais algumas vezes. Tive a sensação de ter ouvido uma frase do gênero “não tenho dinheiro” e, então, o rapaz colocou a chave na ignição. Vilma conseguiu baixar o vidro do carro um pouco e o rapaz, sem outra opção, abriu o resto. Ela, então, tirou da mão que estava para trás uma rosa vermelha e ofertou-a com a nobreza que jamais perdera em todos aqueles anos de mendicidade e privações.  Não resisti e, desde minha sacada, aplaudi freneticamente, assoviei, gritei e bati os pés.   
   Nunca mais vi a fada mendiga, majestosa e louca da Rua Augusto Pestana no bairro Bom Fim em Porto Alegre. Alguns dizem que ela finalmente aceitou ficar em algum albergue, outros que morreu alcoolizada em outra rua qualquer. A verdade é que, quando penso no desaparecimento da Vilma, lembro-me das lendas de algumas tribos indígenas que contam que os velhos, quando viam que era chegada sua hora, afastavam-se para bem longe da tribo para que ninguém pudesse vê-los morrer.
  De qualquer modo, esse é o fim que escolhi para a ópera do Bom fim. Afinal a verdade é tão fugaz, subjetiva e, fundamentalmente, tão frágil, que me sinto a vontade para inventar tal desfecho para mais uma, entre tantas, histórias de heroísmo cotidiano. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012


    PENSAR EM SER FELIZ
   
    Quem é você que contamina
     Minhas resistências mina
     Argumentos concretos
     Retos, exatos
     Lógica sem símbolos
     Sem vôos, nem sonhos
     Tristonhos clichês
      Sempre a mesma e gasta verdade
      Classifica pessoas por espécies
      Títulos, nacionalidades
      Deixe-me dizer
      O que não mais posso calar
      O que passa
       Etéreo como pássaro
       Pela imaginação
       Existe com igual intensidade
        Do que o que temos como verdade
       Pela comprovação dos sentidos
       O que não muda perece
       Não será por isso que tanto padeces?
       Enquanto vida eu tiver
       Em meus versos
        Terei vários universos
        Em sonhos, devaneios
        Que justificam meu viver
        Não quero estar certa
        Quero pensar em ser feliz